Adolfo Fetter Júnior

O ministro e o encantador de serpente

Adolfo Fetter Júnior
Ex-deputado federal e ex-prefeito de Pelotas
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Sempre que assisto - ou leio - uma entrevista do ministro Haddad, fico com uma sensação dicotômica: acredito ou duvido?

De um lado, me vem à mente suas declarações no Insper em 2017 de que havia estudado apenas por dois meses para seu mestrado em Economia e que só tinha tido êxito por ter "colado" (foi apenas uma "brincadeira", como alguns afirmam?), assim como acompanho comentários sobre sua experiência mal sucedida como prefeito da capital paulista, que o excluiu da reeleição em 2016.

De outro, vejo que foi escolhido pelo presidente para comandar a pasta da Economia (ou Fazenda) com algumas "missões impossíveis" (ou improváveis), com destaque para a aprovação do chamado Arcabouço Fiscal e da parcial Reforma Tributária sobre o Consumo, ambas ainda em apreciação no Congresso Nacional.

No caso do arcabouço fiscal, sua missão é a de que conseguir recursos para tapar rombo de R$ 150 bilhões no orçamento federal em 2023 (ainda assim mantendo déficit de R$ 100 bilhões) e nos próximos anos (gerado pelo governo iniciado neste ano), com foco no aumento da arrecadação, após seu antecessor ter conseguido superávit primário de mais de R$ 54 bilhões em 2022.

No que diz respeito à Reforma Tributária, isto foi apresentado como a solução para parte do nosso "manicômio tributário" e obteve expressivo apoio na Câmara dos Deputados (com cerca de 75% dos votos), mas com tantas alterações e inclusões de última hora que ainda não se sabe prever o que representará efetivamente para o País e para os cidadãos, até porque as questões decisivas somente serão conhecidas após aprovação no Senado e pela votação de inúmeras Leis Complementares, sendo que sua vigência começará apenas em 2026, no último ano do atual mandato federal.

Portanto, o arcabouço seria para "apagar o incêndio" imediato e conjuntural criado pelo próprio governo e a reforma serviria para enfrentar questões estruturais da economia no longo prazo.

Ao tentar acompanhar a elogiada movimentação do ministro Haddad junto ao Congresso, me veio à mente a figura do "encantador de serpentes", figura indiana que me fascinava na juventude ao ver alguém conseguir fazer a venenosa cobra Naja se empinar verticalmente ao tocar uma flauta. Neste caso sempre me vinha à mente a pergunta: o que vai acontecer a seguir? A serpente vai ficar mansa e dominada?

Pelo que sei, a serpente continuará sendo serpente após dominada temporariamente e, a qualquer descuido, voltará a picar quem supostamente a dominou e a alimenta, pois é da sua natureza. No entanto, sabe-se que, em muitos casos, as presas da cobra foram retiradas e que ela foi cegada, o que reduz o risco e transforma a magia em manobra enganadora da boa-fé de quem assiste.

Da mesma forma, por mais que o ministro nos apresente a ideia de que tudo isto é para o nosso bem, os resultados finais continuarão os mesmos: maior tributação, mais Brasília e menos cidadania e descentralização. Em resumo, mais Estado e menos liberdade e autonomia. A "magia" envolvida no encantador de serpente e na missão do ministro é, aparentemente, da mesma natureza, a de criar a ilusão de que o improvável aconteça, mas isto não muda a realidade.

Vai dar certo? De um lado, creio que a maioria da população espera que sim e torce para isto. De outro, parte expressiva se questiona sobre o resultado final de tudo isto e como afetará suas vidas no curto e no longo prazo. Também é importante entender quem está apoiando estas matérias e porque o está fazendo. Quem ganha e quem perde? É possível que seja uma situação de "ganha-ganha"?

A certeza é de que não podemos nos iludir, nem basear nossas expectativas apenas na "mágica" (ou no "discurso"). O encantador vai conseguir mudar a natureza da serpente, ou apenas dominá-la por um tempo? É preciso _ e necessário _ buscar melhorar o que está posto nas medidas propostas, se forem inevitáveis. Mas será o melhor mesmo?

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